sábado, 14 de maio de 2011

O que fazemos dos nossos meninos?


Falar em “nossos” meninos significa pensar coletivamente. Seja na sociedade ocidental capitalista, seja na aldeia indígena, seja numa comunidade islâmica ou oriental. Educação humana não é presente de pais para filhos ou de professores para alunos. Educação humana é processo coletivo de todos com todos o tempo todo. Falar em “nossos” meninos significa pensar naqueles que vieram ao mundo nas últimas gerações. Neste texto em especial, os meninos. Há muito tempo mulheres lutam por sua dignidade e o seu direito ao “mundo”. Aos poucos, a realidade da vida começa a mudar através do contínuo processo de lutas sociais por todo o planeta. Aos poucos mulheres começam a ocupar novos espaços, começam a adentrar em lugares nunca antes permitidos e também a instituir outras relações econômicas e sociais na sociedade. O que reflito neste momento emerge do que sempre pensei mas nunca escrevi: a educação que homens e mulheres reproduzem aos meninos. Crianças de qualquer idade recebem tratamento diferenciado conforme seu sexo. Esse fato não é novidade para ninguém. Meninos “são” azuis e meninas “são” rosas. Meninas em geral são instigadas ao campo da afetividade, do cuidado e do carinho, e os meninos são instigados a bravura, a coragem e a disputa (nesse caso, a disputa por vencer, por ser um vencedor de qualquer ordem que seja). Um menino de apenas dois aninhos recebe de um homem adulto um “tapinha” nas costas ou um aperto de mão como cumprimento. Uma menininha pode receber um beijo. Pais e filhos passam desde muito cedo a trocar carinhos de bebê por carinhos de homem para homem, ou seja, distanciam cada vez mais o lado afetivo entre homens e o que fugir disso soa estranho para o restante da sociedade dos “tapas” nas costas. O menino adolescente que não demonstrar ser um potencial “garanhão” precisa de cuidados especiais, pois o resto da família pode desconfiar que o bravo menino pode não ser tão bravo assim. Os medos e receios inerentes aos seres humanos devem ser suprimidos em lugar da construção artificial de uma bravura e coragem que qualquer homem na sociedade ocidental deve ter. Meninos não choram. Ainda com idades muito precoces quando meninos se machucam os adultos insistem em enfatizar que menino não chora ou não deveria chorar. Meninos não choram? Por quê? Seres humanos choram. Seres humanos sentem medo. Seres humanos são sensíveis. As mulheres receberam secularmente um fardo hipócrita de tentar explicar sua facilidade de externalizar sentimentos ou sensibilidades em função de seu sistema reprodutivo que ocasiona uma Tensão Pré-Menstrual, famosa TPM. Esta tensão lhe facilitaria a sensibilidade e o choro. Será mesmo? Ou será que todos temos vontade de chorar mas os homens não foram educados para chorar? E se os homens fossem educados para se sentirem menos “bravos”? Menos corajosos? Menos “machos” em disputas que resultam em gestos de agressão? Se os meninos fossem educados para pegar leve nesses elementos, lhes faltaria alguma coisa? Seriam impotentes? Seriam pessoas incapazes? Seriam covardes inúteis? Seriam frágeis como são tachadas as mulheres? Seria o fim da reprodução humana e da virilidade? Ou seriam simplesmente pessoas livres e mais transparentes com todas as sensibilidades que a complexidade humana carrega? Seriam mais felizes. Seriam mais coerentes com aquilo que carregam dentro de suas subjetividades. Qualquer pessoa sabe que homens são sensíveis. Sensíveis como qualquer mulher também é. Mas simbolicamente da porta de casa para rua, a sensibilidade masculina na moral que vivemos precisa ser abafada. Já pensou um homem dar um soco no outro homem e ele não reagir? Que covarde medroso, não? Para ser educado como homem, precisa de sobrecargas de bravura, “macheza” e coragem. São estes os adjetivos dignos do verdadeiro “homem macho”. Não basta ser homem, tem que ser “homem macho”. Alguém poderia me dizer: “estás generalizando, não é bem assim”. Pode não ser bem assim dentro de algumas casas, o que não adianta muito quando encaramos a educação como um processo coletivo, e não isolado. Se aprendemos sobre a vida constantemente e cotidianamente, logo, introjetamos na subjetividade cargas e mais cargas de condução moral em tempo integral. Pensava muito sobre acidentes de trânsito, sobre uso de armas, sobre brigas de soco, de faca, sobre crimes passionais, sobre homens que não se conformam em perder território humano (mulheres) para outros “homens”, sobre crimes sexuais, sobre coragens para perversidades mil entre seres humanos, e refletia sobre quem eram aqueles que mais os cometiam. Todos nós sabemos, são homens. E isso é culpar os homens e isentar as mulheres? De modo algum, tenho horror de sexismo. Levando em consideração que o sistema econômico exploratório e individualista que permeia o mundo é o grande condicionador da racionalidade humana atual, os homens são sim os grandes alvos do papel de “homem lobo do homem”. E isso não se dá espontaneamente. Isso é resultado histórico e social. Como pessoa envolvida com educação e sociologia, não poderia não achar que a educação está na chave deste sistema social caótico. Nem mulheres nem homens são os culpados deste quadro, mas o pensamento social dominante que perpetua esta educação para a sociedade. E grande parte dela continua a reproduzindo, consciente ou inconscientemente. Homens e meninos definitivamente não são assim por causa de sua testosterona, mulheres e meninas não são assim por causa de sua progesterona. Enquanto continuarmos hipocritamente jogando tudo para o lado da fisiologia pura e simplesmente, meninos continuarão sendo educados para chutar o coleguinha da classe do lado se este o importunar, a dar beijo em todas as meninas do colégio e a quebrar um braço sem chorar. Muito me alegrei ao ler num livro ontem que Freud perto de sua morte admitiu não ter sido capaz de analisar o sistema psíquico das meninas e das mulheres, deixando esta dívida para a história, pois até então suas análises me pareciam revolucionárias, mas machistas. Respirei fundo e me alegrei. Mulheres estão dando segmento para o seu pensamento rumando outros enfoques sem perder a psicanálise de vista. Sobre educação sexual de meninos e educação sexual de meninas, fica para a próxima, pois esta sim é ainda mais complicada.
Não sou perita em psicologia nem pedagogia, e jamais adentraria na área de forma simplista. Mas a realidade na luta por uma outra educação e a vivência de "ser e estar" no mundo enquanto uma mulher feminista que não pretende a guerra dos sexos mas a igualdade dos direitos à vida e ao corpo, me permitem ao menos divagar sobre o tema. Para variar o foco, ao invés de divagar sobre a educação que recebem as meninas, me centrei na educação que recebem os meninos, que, apesar de diferente, é tão perversa quanto a das meninas se tivermos a liberdade e emancipação humana enquanto horizonte.

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