terça-feira, 4 de setembro de 2018

Impressões sobre a vida apesar da morte



Tem anos atrás me tocou muito assistir a história de Benjamim Button, passou uma novela na minha cabeça sobre a ideia de nascimento e morte. E se invertêssemos de fato a lógica das coisas e compreendêssemos que viver é um ciclo de fim, meio e início? O problema que vejo é que na nossa realidade ninguém sabe quando é o meio e o fim. E o não saber cria as mais diversas paranoias enquanto vai acontecendo a caminhada. O não saber cria uma mistura de ânsia e medo. Contraditoriamente cria também uma espécie de estagnação, pois se soubéssemos que vamos morrer semana que vem, essa semana agora seria bem mais intensa. Ou não? O não saber é tão natural quanto a luz do dia e no entanto tornamos esse não saber em algo artificial, onde fazemos coisas que não gostamos, deixamos vida para depois, postergamos coisas que nos significam profundamente e criamos bolhas de realidade para passar a vida tentando resolvê-las para depois que conseguir, criarmos novas bolhas. Mas e se? Eu estou nesse momento numa turbulência de avião. Offline, sem internet, refletindo. Não tenho precisado ficar offline para refletir não, mas que o mundo do espetáculo anda nos distraindo além da conta, ah isso anda. Algumas coisas neste ano que passou e neste ano que estamos me fizeram dar conta de que não há um depois. Há uma projeção de depois que é tão sólida quanto o vapor da água. Há a necessidade de projetar o futuro de forma saudável, mas há um limite dessa projeção, pois o destino é inexorável, imbatível, surpreendente, instigante, doido mesmo. Num piscar de olhos um museu inteiro queima duzentos anos de história, uma turbina de avião encerra projetos de duzentas pessoas, uma maré vira e te engole pro fundo, um vento bate e muda tua direção. Num piscar de olhos a realidade te mostra que enrijecer em verdades absolutas te aprisionam, congelar em opiniões formadas sobre tudo te matam mais rápido, decepcionar onde criou expectativas te levam a um sofrimento desgastante. A vida não é um oba oba que "não tem amanhã", não, mas ela também não é essa coisa fixa que gostamos de nos apegar e nos aprisionar, não. A vida não é um comercial de margarina, não. Sonhos não são herdados, sonhos não são metabolizados pelo sangue, sonhos não são terceirizados. Você já pensou de fato que sonhos te alimentam a alma por tua própria mente ou que sonhos você simplesmente assimilou dos outros? Sonho assimilado não tem sentido. Vai ser conquistá-lo que a decepção vem logo em seguida a passos largos. Nem o sonho dos pais, nem o sonho do grupo de amigos, nem o sonho da novela, nem o sonho da moral e dos bons costumes, nem o sonho encutido por qualquer pessoa que não seja você mesmo em profundo conhecimento de si. Quando é assim, qualquer sonho tem o tamanho e a dimensão de si próprio, daquele que conhece a si mesmo. Coisa tão falada na filosofia, mas que em profundidade estamos patinando há mais de seis mil anos e não conseguimos ainda saber quem somos, quem dirá ficar ajuizando valores sobre quem são os outros. Mas sim, ousamos dizer quem são os outros mesmo assim. Li um texto de um amigo muito especial que fiz aqui na Bahia que falava do sonho de atravessar nadando a Baía de Todos os Santos. Descrevia com profundidade tudo que esse desafio provocou e fez desabrochar em si ao completar a travessia. Esse texto me tocou profundamente porque me peguei pensando sobre o resgate dos meus próprios sonhos que também não são impossíveis, nem fixos, nem rígidos. Me peguei pensando também sobre o quanto acontecem coisas no meio do caminho que aparecem para nos ensinar, para aprendermos. O quanto saber que nem tudo que planejamos vai dar certo, e assim é a vida. Rubem Alves diz numa entrevista que só se tornou tudo que era, exatamente porque tudo que ele planejou para si deu errado. Genial. Livre! Aberto! E quando a mente está aberta, o plano que deu errado é a alavanca para outros que nem sequer imaginaríamos. Isso é até meio clichê em termos de teoria, mas, na prática, vemos que essa teoria não acontece muito pois estamos apegados em nossas certezas. A coragem e a ousadia de planejar, errar, seguir em frente, reformular, reorientar, tudo isso é a melhor parte da vida, é só não fazê-la de forma dramática que congela decepções como se fossem eternas. Outro dia uma pessoa muito especial que vem me ensinando muita coisa me disse: "se ficar a deriva em alto mar e não tiver mais jeito, nada o máximo para o fundo que puder". Fiquei bem pensativa, pois me pego pensando na coragem de tomar a decisão da consciência de "deu"… vamos lá... Tá na hora. E essa ideia, confesso, não me assustou tanto hoje quanto me assustava há um tempo atrás. Porque quando a gente aprende a ver a vida de um jeito amplo e cíclico, não há drama e sofrimento a fazer. Há contemplação do que foi e há muita gratidão a todos que ensinaram algo. Mágoas, não carrego. Não carregá-las me permite ir embora a qualquer tempo sem nada para resolver com ninguém. Intensidade tatuada nas costas, minha vida tem sido cada vez mais assim... Um minuto dura muito tempo, pois eu não quero que as horas passem até chegar a um futuro ideal inexistente, eu quero que a vida se manifeste aqui e agora e eu esteja serena para vivê-la diante de alegrias e intempéries quaisquer que surgirem, formulando, reformulando e apreciando sonhos de ordens existenciais individuais e sonhos de bem comum e coletivo. 
Celebrar! 💜

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