Das fortalezas e fraquezas
Há horas sinto vontade de escrever sobre o que me fortalece.
Sobre o que me põe a enfraquecer.
Como sempre, tenho vontade de escrever de repente. E na
vida, não há notebooks de repente.
Foi na calçada do Parque da Redenção. Foi hoje, 30/04,
terça-feira, vi muito daquilo que me mantém e contraditoriamente me detém,
contém e retém.
As fraquezas, as fortalezas. A contradição da vida. O
movimento.
Vem a fraqueza quando vejo pessoas caminhando
desgovernadamente pelas calçadas sem olhar para cima, para o lado, para frente –
muitas vezes.
Sinto a fortaleza ao caminhar vagarosamente numa estrada
ensolarada, pegar aquele solzinho andando.
Vem a fraqueza quando descubro que um menino que conheço foi
parar na FASE.
Sinto a fortaleza quando me dou conta de que meus ouvidos querem
saber disso, ouvir o que têm estes meninos a dizer.
Vem a fraqueza quando me dou a quem não quer me receber.
Sinto a fortaleza quando percebo que o mundo é muito maior
do que isto.
Vem a fraqueza quando espero para atravessar o sinal e vejo
um trabalhador carregando materiais recicláveis em carrinhos carregados com sua
própria força física e carros buzinando desesperadamente porque estão
atrapalhando o trânsito.
Sinto a fortaleza de quando vejo a organização de determinados setores da sociedade que sequer temos conhecimento. Como o catadores, por exemplo. E que no entanto, tornam-se seres invisíveis, que só podem ser vistos se realmente for para tomarem uma buzinada.
Vem a fraqueza quando o simples ato de atravessar a Avenida
Osvaldo Aranha se torna um desafio contra a vida. Ou máquinas de ferro te
atropelam, ou pessoas querendo atravessar a rua rapidamente te atropelam
também.
Sinto a fortaleza de tentar, pelo menos neste momento,
observar tanto a vida que aquele que tem pressa de deixar de viver, siga em
frente.
Vem a fraqueza de ver o quanto a rotina do ser humano tem o
tornado um ser mal educado, tomado de desconfiança de todos, devastado pelo
sentimento de querer dar-se bem a qualquer custo, seja ao custo de pisar em
cima dos outros, seja de passar antes na fila, seja de ser ríspido no trânsito
porque estás andando mais devagar que o fluxo da morte automotiva, enfim.
Sinto a fortaleza cada vez que repudio o mundo do
olho-por-olho, dente-por-dente. Aprendi isso na sétima série. Decorei, é Lei de Talião. Se um motorista de ônibus mal
educado para em cima da faixa de pedestre, a Lei de Talião entra em vigor e o
pedestre bate com força, ira, raiva e ódio na lataria do ônibus e xinga o
motorista.
Vem a fraqueza de ouvir na sala de aula de minha escola, que
os 10.000 protestantes a favor do não-aumento das passagens de ônibus de Porto
Alegre eram “terroristas”.
Sinto a fortaleza ao dividir isso com meus queridos e amados
irmãos de alma que adotei, que me ajudaram a organizar as ideias para dar a boa
resposta sobre isso. Porque eu era, naquela noite, uma terrorista! Molhada da
chuva, mal conseguia caminhar de tanta água que caía. Quase fiquei doente, com
dor de garganta. E as passagens dos trabalhadores foram garantidas mais baratas
por tantos terroristas na rua.
Vem a fraqueza de ouvir um cantor que me lembra alguém.
Sinto a fortaleza quando descubro que tinha “Axé Blond”
gravado no meu pendrive, não entendo até hoje porque, e isso me fez esquecer
completamente o tal cantor anterior.
Vem a fraqueza de precisar dormir vinte minutos depois que
almoço, quando me dou a este luxo de almoçar, e ser criticada porque tirar uma pestana
é “vagabundagem” mesmo tendo acordado tri cedo.
Sinto a fortaleza quando realmente consigo tirar esta sesta
e azar é do Papa Dom Corleone Pio Francisco de Paula IV.
Vem a fraqueza quando percebo que fome dói. E quem tem fome,
não consegue refletir, pensar, raciocinar direito, porque estômago dói. E tem
gente com fome ainda. Em Porto Alegre. No Brasil. No mundo.
Sinto a fortaleza quando vejo tanta gente que trabalha na
tentativa de transformar tudo isso. Quando escuto relatos de experiências mais
variadas. Quando há vontade pública, política e social.
Vem a fraqueza quando um viciado em crack se aproxima e a
sociedade me obriga a ter medo dele. Medo do assalto. Medo de ser ingênua.
Sinto a fortaleza quando me dou conta de que não há a menor
possibilidade de eu viver angustiada me cuidando para não ser pega, porque a
humanidade está adoecida.
Vem uma fraqueza quando me dizem para que eu seja mais “esperta,
ligada, desconfiada”. Que deixe de ser espontânea, ingênua. Sinto uma enorme
fraqueza quando me forçam a desconfiar ou destituir alguém.
Sinto uma fortaleza sem tamanho quando me convenço que quem
é mal intencionado não é responsabilidade minha e não tenho ingerência sobre
sua má intenção naquele momento. Se quiser, me mente. Se quiser, me assalta. Se
quiser, me trova. Se colar, colou. Se não, não fico buscando alimentar o
individualismo extremo.
Cada um seja o que é se aproxime daquilo que mais lhe
pareça. De grupos que se pareçam. Por isso tenho me afastado um pouco do mundo
facebookeano.
Vem uma fraqueza quando vejo pessoas que são violentas tanto
fisicamente, quanto psicologicamente, compartilhando suas mil opiniões de
sabedorias, filosofias, e até religiões que pregam paz, e na vida real não são
nada daquilo. Na vida real gritam, xingam, humilham, batem, falam o tempo todo
da vida alheia, criticam até o vôo dos pássaros sem nem nunca ter visto um
voar.
Sinto uma fortaleza de ter entrado no facebook nas últimas
três ou quatro semanas, umas três vezes no máximo. E que fortaleza! Existem
limpezas na alma que podem ser com ervas, com religião, com meditações, com
diversas formas. Mas uma grande recomendação para quem não aguenta mais um
mundo tão injusto e que alimenta uma vasta gama da classe trabalhadora que fica
só compartilhando o mal ideológico da humanidade, é realmente entrar menos no
facebook. Só desligar a televisão não adianta.
Vem uma fraqueza quando vejo uma pessoa com duas muletas
tentando atravessar uma das ruas mais movimentadas de Porto Alegre.
E essa fraqueza toma conta de mim e não encontro uma
fortaleza a não ser me dar conta de que os ônibus, os motoqueiros, os carros,
andam cada dia mais rápido e cada vez mais pessoas idosas terão menos espaço
ainda nessa sociedade que não respeita nem o corpo e nem a sabedoria de quem
vive há mais tempo.
Senti uma fortaleza de perceber que era jovem o bastante para
viver tanta coisa ainda...
Vem uma fraqueza ao pensar não ser justo um envelhecimento
desrespeitoso. Onde construímos isso nessa sociedade “fast-tudo”?
Vem uma fraqueza quando não se pode ser o que se tem vontade, de fazer o bem que lhe bem convier. De ser afetuoso nas situações mais absurdas.
Sinto uma fortaleza quando consigo. Quando uma aluna levanta-se de sua classe, vai até mim e me diz: "professora, eu penso exatamente tudo isso que a 'senhora' falou". O assunto era luta contra o machismo.
Vem uma fraqueza quando vejo muitos de um "prédio azul" estudar e respirar dia e noite a educação mundial e no entanto não perceber o que acontece no muro fora da universidade. Sequer se dão conta do que se passa nos outros espaços, no entorno, na calçada da rua.
Sinto uma fortaleza incomparável quando alguém me vê, e me dá um abraço. Que cala, mas que sente.
Vem uma fraqueza quando a poesia é triste.
Sinto uma fortaleza quando a música é vigorosa.
Vem uma fraqueza quando lembro que pouco andei prestando atenção nas flores nos últimos anos.
Imediatamente sinto uma fortaleza quando olho para minhas florzinhas. Elas sorriem. Acredite.
Vem uma fraqueza quando lembro que contemplei a lua tão poucas vezes em 30 anos.
Sinto uma fortaleza de alimentar-me dela diariamente. Seja da cor e do tamanho que estiver.
Vem uma fraqueza quando as pessoas se medem pela quantidade
de penduricalhos caros que compram. Em shoppings, em lojas carérrimas, pagam os
mais absurdos preços por algo que talvez sua própria alma não permita que os
outros percebam com os próprios olhos.
Senti hoje uma fortaleza, pois ouvi um singelo comentário do
florista: “tem pessoas que precisam gastar muito dinheiro para ficarem bonitas.
Tem pessoas que são bonitas sem nada disso”. Talvez essas pessoas que precisam
relacionar sua autoestima pelo seu nível de consumo, jamais percebam o quanto
uma flor é bela. Custa barato. Não vai no pé, não se usa no cabelo, nem na
cintura. Apenas se aprecia na alma. E pode brilhar mais que diamante.
E a minha maior fortaleza, é exatamente saber que não estou só com todas as minhas fraquezas. Porque quanto mais pessoas se importam com estas fraquezas, mais se é capaz de praticar a fortaleza coletivamente.
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